quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Ariosto Não tem Sangue de Barata


- Não me beija que eu estou toda suada!
Depois:
- Ariosto! Eu recém-saí do banho!
Depois:
- Não-o. Olha o meu penteado.
Depois:
- Quer fazer o favor? Estou tentando ver a novela.
Depois:
- Agora não, Ariosto. Eu já botei o creme.
De manhã:
- Ó Ariosto. Eu ainda não escovei os dentes!
Depois:
- Não dá tempo, bem. A Nelinha daqui a pouco vem me buscar pra ginástica.
E depois da ginástica:
- Me larga que eu estou toda suada!
Finalmente:
- Ariosto!
- Vai ser aqui mesmo.
- Mas...Você está se molhando todo!
- Não interessa.
- Eu estou toda ensaboada!
- Melhor assim.
- Ariosto! Ai! Espera!
.
Mas Ariosto não esperou. Foi ali mesmo. Debaixo do chuveiro. Ariosto nem tirou as calças.
.
À mesa do jantar, naquela noite, ela se queixou.
.
- Nunca pensei.
Ariosto, sem saber se a frase se aplicava:
- Eu não tenho sangue de barata.
- Precisava me atacar?
- Só tomei o que é meu.
- Precisa ser grosseiro?
- Agora vai ser assim. Quando você menos esperar.
- Ariosto!
- Quando você menos esperar!
.
Dois dias depois, quando ela chegou da rua (banco, pedicure, supermercado) no meio da tarde, ele estava esperando atrás da porta.
.
Tinha chegado mais cedo do trabalho para pegá-la. Pacotes do supermercado pelo chão, ele tomou o que era seu em cima dos congelados.
.
Na manhã seguinte, esperou ela se levantar da cama, escovar os dentes, se vestir - e só então atacou.
.
- Ariosto! Na mesa do café?!
Foi na mesa do café mesmo e não teve conversa.
- A Nelinha vai chegar a qualquer momento!
- Azar.
.
Outra vez foi no cinema. Ela devia ter desconfiado quando ele quis sentar atrás, ele que gostava de sentar na frente. Atrás não tinha ninguém.
.
- Ariosto, o que é isso?
- Chega um pouco pra cá... Assim... Agora a outra perna.
- Ariosto, vão nos ver!
- Não vão.
- Vão nos ouvir!
.
Mas era um filme do Schwarzenegger e ninguém ouviu.
.
Ela decidiu que o jeito era restabelecer uma rotina convencional. Ariosto tinha vencido. Voltariam a fazer sexo em lugar e hora apropriados, sempre que ele quisesse. Só assim ela conteria a fúria compensatória do Ariosto. Só assim se livraria da ameaça constante de ser atacada pelo Ariosto quando menos esperava - como na vez em que ele a estava aguardando na garagem do prédio, e eles quase tinham sido flagrados dentro do carro pela dona Elcina do 702. Ela decidiu que começaria a ir para a cama antes de botar o creme.
.
Mas era tarde demais.
.
- Negro...
- Hmmm?
- Vamos?
- O quê?
.
Ariosto, lendo uma revista e se fazendo de desentendido.
.
Ela:
- Você não quer?
.
Ele (bocejando):
- Agora não.
.
E, quando ela desistiu e levantou-se para botar o creme, ele perguntou:
- Aonde você vai amanhã?
- Não digo!
.
Todas as terças-feiras ela almoçava com a turma. Amigas antigas, muitas ex-colegas da escola, um grupo de 15 - quando apareciam todas. Ela e a Nelinha, que morava no mesmo prédio, iam juntas e não perdiam um almoço, sempre nas terças, sempre no mesmo restaurante. Naquela terça a conversa na mesa estava animada, como de costume, mas as amigas notaram que ela não parava de olhar para a porta do restaurante, como se esperasse a chegada de alguém. E viram ela, de repente, se levantar com uma expressão de pânico no rosto. Alguém que entrara pela porta e agora se aproximava da mesa era a causa do seu terror. Ela recuou, derrubando sua cadeira, e achatou-se contra a parede. E gritou:- Ariosto, tu não é louco!
.
(Luís Fernando Veríssimo)
.
Inté...
.
Update: Gente, fiquei sabendo que hoje é o meu dia e eu nem tava lembrando disso... poisé, é dia das bruxas... Há muito tempo atrás, tentei ser fada, mas percebí que nascí pra ser bruxa mesmo... hehe... O causo é que tô procurando um "certo" carderão pra pular dentro...hehe...
.
Então vai aí uma música pras bruxas e bruxos matutos...

02. Nenhum de nós ...

.