quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Eco e Narciso

No post anterior, comentei por alto a estória da Ninfa Eco. Agora conto todo o causo, ou parte dele... o que sei...
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Narciso era filho do deus-rio Cephisus e da ninfa Liriope, e era um jovem de extrema beleza. Porém, à despeito da cobiça que despertava nas ninfas e donzelas, Narciso preferia viver só, pois não havia encontrado ninguém que julgasse merecedora do seu amor. E foi justamente este desprezo que devotava às jovens a sua perdição.
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Pois havia uma bela ninfa, Eco, amante dos bosques e dos montes, companheira favorita de Diana em suas caçadas. Mas Eco tinha um grande defeito: falava demais, e tinha o costume de dar sempre a última palavra em qualquer conversa da qual participava.
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Um dia Hera, desconfiada - com razão - que seu marido estava divertindo-se com as ninfas, saiu em sua procura. Eco usou sua conversa para entreter a deusa enquanto suas amigas ninfas se escondiam. Hera, percebendo a artimanha da ninfa, condenou-a a não mais poder falar uma só palavra por sua iniciativa, a não ser responder quando interpelada.
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Assim a ninfa passeava por um bosque quando viu Narciso que perseguia a caça pela montanha. Logo ela o achou muito bonito e uma forte paixão a assaltou! Seguiu-lhe os passos e quis dirigir-lhe a palavra, falar o quanto ela o queria... mas não era possível - era preciso esperar que ele falasse primeiro para então responder-lhe. Distraída pelos seus pensamentos, não percebeu que o jovem dela se aproximara. Tentou se esconder rapidamente, mas Narciso ouviu o barulho e caminhou em sua direção:
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- Há alguém aqui?
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- Aqui! - respondeu Eco.
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Narciso olhou em volta e não viu ninguém. Queria saber quem estava se escondendo dele, e quem era a dona daquela voz tão bonita.
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- Vem - gritou.
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- Vem! - respondeu Eco.
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- Por que foges de mim?
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- Por que foges de mim?
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- Eu não fujo! Vem, vamos nos juntar!
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- Juntar! - a donzela não podia conter sua felicidade ao correr em direção do amado que fizera tal convite.
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Narciso, vendo a ninfa que corria em sua direção, gritou:
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- Afasta-te! Prefiro morrer do que te deixar me possuir!
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- Me possuir... disse Eco.
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Foi terrível o que se passou. Narciso fugiu, e a ninfa, envergonhada, correu para se esconder no recesso dos bosques. Daquele dia em diante, passou a viver nas cavernas e entre os rochedos das montanhas. Evitava o contato com os outros seres, e não se alimentava mais. Com o pesar, seu corpo foi definhando, até que suas carnes desapareceram completamente. Seus ossos se transformaram em rocha. Nada restou além da sua voz. Eco, porém, continua a responder a todos que a chamem, e conserva seu costume de dizer sempre a última palavra.
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Não foi em vão o sofrimento da ninfa, pois de sua morada, Nêmesis vira tudo o que se passou. Como punição, condenou Narciso a um triste fim, que não demorou muito a ocorrer.
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Havia, não muito longe dali, uma fonte clara, de águas como prata. Os pastores não levavam para lá seu rebanho, nem cabras ou qualquer outro animal a freqüentava. Não era tampouco enfeada por folhas ou por galhos caídos de árvores. Era linda, cercada de uma relva viçosa, e abrigada do sol por rochedos que a cercavam. Ali chegou um dia Narciso, fatigado da caça, e sentindo muito calor e muita sede.
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Narciso debruçou sobre a fonte para banhar-se e viu, surpreso, uma bela figura que o olhava de dentro da fonte. "Com certeza é algum espírito das águas que habita esta fonte. E como é belo!", disse, admirando os olhos brilhantes, os cabelos anelados como os de Apolo, o rosto oval e o pescoço de marfim. Apaixonou-se pelo aspecto saudável e pela beleza daquele ser que, de dentro da fonte, retribuía o seu olhar.
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Não podia mais se conter. Baixou o rosto para beijar o ser, e enfiou os braços na fonte para abraçá-lo. Porém, ao contato de seus braços com a água da fonte, o ser sumiu para voltar depois de alguns instantes, tão belo quanto antes.
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- Porque me desprezas, bela criatura? E por que foges ao meu contato? Meu rosto não deve causar-te repulsa, pois as ninfas me amam, e tu mesmo não me olhas com indiferença. Quando sorrio, também tu sorris, e responde com acenos aos meus acenos. Mas quando estendo os braços, fazes o mesmo para então sumires ao meu contato.
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Suas lágrimas caíram na água, turvando a imagem. E, ao vê-la partir, Narciso exclamou:
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- Fica, peço-te, fica! Se não posso tocar-te, deixe-me pelo menos admirar-te.
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Assim Narciso ficou por dias a admirar sua própria imagem na fonte, esquecido de alimento e de água, seu corpo definhando. As cores e o vigor deixaram seu corpo, e quando ele gritava "Ai, ai", Eco respondia com as mesmas palavras. Assim o jovem morreu.
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As ninfas choraram seu triste destino. Prepararam uma pira funerária e teriam cremado seu corpo se o tivessem encontrado. No lugar onde faleceu, entretanto, as ninfas encontraram apenas uma flor roxa, rodeada de folhas brancas. E, em memória do jovem Narciso, aquela flor passou a ser conhecida pelo seu nome.
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Dizem ainda, que quando a sombra de Narciso atravessou o rio Estige, em direção ao Hades, ela debruçou-se sobre suas águas para contemplar sua figura.
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A música de hoje tem tudo a ver com a estória de Eco e Narciso...

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"Faltando um Pedaço" - Djavan.

Inté...

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