quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Terapia da Feira


Nada melhor que uma mulher que acabou de chegar da feira. Sacola na mão, fome de viver, sorriso de princesa.
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Os vendedores de frutas, peixes e verduras são mestres na arte de reconhecer talentos e animar as moças com os seus adjetivos. Adjetivos às pencas, elogios às dúzias, mimos, dizeres, samba exaltação, graças, gracinhas, gracejos.
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Meia hora de uma mulher na feira vale mais do que um mês de análise, do que a onda de orientalismos tantos do mercado, carmas-colas, do que a yoga, do que o mestre japonês das agulhas, do que uma banheira de sais, do que um dia no shopping com um supercartão de crédito sem limites.

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Nem mesmo quando as mulheres estão acompanhadas, os feirantes dão sossego. Esperam você, cara de marido, se distanciar um pouco, dois, três passos, e tome flertes e agrados na baciada.

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''Olha a manga, gostosa!'', bradam, administrando com malícia a vírgula e o duplo sentido na ponta da língua.

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“Ovo e uva boa!”, arriscam para as elegantes damas de preto.
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“Essa é modelo!”, capricham para as gazelas saltitantes. “Gisele!”, gritam em uníssono.
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É a boa guerra dos mascates. Eles vão no ponto, exatos como neurocirurgiões do desejo.

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Em dias de chuva, mandam ver de acordo com o meteorologista: ''Essa é enxuta até debaixo d'água'', alardeiam.

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Um bom feirante reduz até os efeitos de uma TPM, de uma dívida nunca paga, de uma culpa que corrói o juízo, de um regime ainda sem resultados.

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Nada como incentivar o caminho da feira mais próxima da sua casa para as mulheres.

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Nos sacolões, então, os adjetivos saem a grosso e a varejo, na bacia ou nos caixotes.
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Os feirantes não mentem jamais. Eles sabem, mais do que ninguém, que em toda mulher, seja quem for, existe um traço ou um aspecto de beleza.

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Afinal de contas, mulher é metonímia, parte pelo todo, você passa a apreciá-la por uma boca, um pé, uma orelha, uma mão, uma omoplata, um belo ilíaco ressaltado, uma saboneteira, uma marca sulcada de vacina, um corte no joelhinho esquerdo, uma cicatriz de artes de infância, uma bela bunda faceira, uma falsa magra, um umbiguinho de fora, aquele tom cinza dos cotovelos da espera... Na passarela dos feirantes, a insegurança feminina, mesmo naqueles dias em que o cabelo acorda brigando com as leis do cosmo, dissolve-se em segundos, num suspiro, no ritmo de um pastel, na ligeireza de um caldo-de-cana.
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Xico Sá é autor de Catecismo de devoções, intimidades & pornografias.(www.editoradobispo.com.br)
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Sou fanzaça do Xico Sá!
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Inté...

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