quarta-feira, 9 de maio de 2007

"Os do Fundão"

No primeiro dia de aula, lá estava eu, de olho nelas, as primeiras carteiras! Ficava ansiosa para entrar logo na sala e marcar o meu lugar. Até que consegui, mas, como nem sempre, querer é poder, eu tive que ceder o lugar a outro, pois a professora disse que eu era “alta” e atrapalharia a visão dos coleguinhas...rs. Não sou alta, tenho 1.64, mas dos sete aos 12 anos, cresci muito rápido, então nessa época, eu realmente “destacava” dos demais...rs. Uma vez uma professora me perguntou se eu era repetente, pois parecia ser mais velha que os outros colegas...hahaha...Quase morri de vergonha, me senti uma “velha” aos 10 anos, tomei birra dela, coisa de criança...

Todo ano era a mesma coisa, se eu escolhesse uma carteira na frente, a professora me mudava de lugar, sempre nas últimas, então tive que me adaptar por livre e espontânea pressão e esqueci de vez das primeiras carteiras. É como se diz por essas bandas: Se não tem tu, vai tu mesmo...

Já conformada em sentar lá atrás, comecei a ver o lado bom da coisa...Tinha algumas vantagens como, ter uma visão geral da sala, conversar sobre outros assuntos com os colegas próximos, as chamadas “conversas paralelas” que tanto irritam os professores. Raramente ser lembrada na hora de responder perguntas ou ser chamada para resolver continhas no quadro, uma maravilha, porque eu sempre fui muito tímida!

O tempo foi passando e eu fui pegando gosto pelo fundão. Da quinta à oitava série as vantagens de sentar nesse canto também foram aumentando de acordo com a minha ousadia...Podia copiar de algum colega as questões do exercício que eu tivesse esquecido de fazer ou não tivesse feito por pura preguiça mesmo, com pouquíssimo risco de ser “pega no flagra”...Dar uma espiadinha na prova do lado ou do colega da frente, na hora do famoso “branco”, com mais tranquilidade...Sim, porque o professor costumava ficar na frente, de vez em quando ele passeava entre as fileiras e voltava para o lugar de costume. E o melhor de tudo mesmo eram as pessoas do fundão! Uma turma divertidíssima e muito cúmplice...Com má reputação...hahahaha...

No segundo grau, lá estava eu no fundão novamente. Ríamos de qualquer besteira, falávamos amenidades, fazíamos trabalhos em grupo (que sempre sobressaía aos demais) e estudávamos juntos para as temíveis e terríveis provas de matemática da Dona Meire! Quando tinha horário vago, pedíamos o som emprestado na secretaria e rolava uma festinha...Levamos alguns pitos por conversar um tanto quanto alto...rs...A gente bem que tentava falar baixo, depois a voz ia aumentando, aumentando...(e o pior, é que a gente achava que o professor tava de marcação...rs).

O fundão geralmente é mal visto pelos colegas da frente e pelos professores. Costumam pensar que o pessoal de lá não quer nada com nada, que é só brincadeira e zuação, enquanto os “da frente” são rotulados de estudiosos, inteligentes, interessados e esforçados (não digo que não o são). Eu e meus colegas do fundão sempre tirávamos boas notas, não ficávamos em recuperação, passávamos de ano na maior tranqüilidade. Prova de que o fundão é injustiçado...rs

Entre os alunos “da frente” e o “fundão”, vale lembrar, que existe uma terceira “facção”, que passa meio desapercebida por conta dessa “competição” entre lados...rs. É o pessoal “do meio”. Esses, depois dos nossos colegas mais chegados, costumam ser os mais legais da sala. Eles fazem a “política da boa vizinhança” e conseguem manter um bom relacionamento com os dois lados: Os “certinhos” da frente e os “desajustados” do fundão...rs.

Na faculdade, é bem diferente, o fundão perde a sua “essência”. É a época em que estamos amadurecendo, seguindo os caminhos que escolhemos para nossa vida profissional, virando “gente grande” e aí o bicho pega. A coisa fica séria, é o nosso futuro que está em jogo, nossos sonhos, nossas aspirações e ainda por cima, o peso de saber que existem pessoas que estão apostando na gente, não queremos decepcionar a ninguém nem a nós mesmos.

E se você optou pelo curso de administração, estuda de noite, trabalha e todos os seus colegas também - e a maioria vai direto do trabalho pra faculdade e cansados -, você sente uma diferença ainda maior. A sala em peso concentrada nas palavras do professor, ou não, mas em absoluto silêncio, que vez ou outra é rompido pela pergunta ou opinião de algum colega sobre o assunto explanado, ou por uma polêmica onde a maioria quer opinar, argumentar, questionar, etc...Ou seja, conversas paralelas nessa altura do campeonato foram abolidas...rs

Você não tem lugar definido para se sentar, isso depende do horário em que chegar, e se chegar atrasado, corre o risco de ter que ir pegar uma cadeira na sala vizinha. Por conta dessa rotatividade, você acaba conversando com um colega aqui, outro ali, mas muito rapidinho e não dá pra criar um vínculo mais forte. É que o tempo pra estudar é curto, (todos trabalham) então o jeito é prestar muita atenção na aula e se virar pra estudar nos finais de semana, ou de madrugada. Às vezes não dá pra gravar o nome de todos os colegas. Nos trabalhos em equipe, cada um faz a sua parte e manda por email, outro monta e tá tudo resolvido. Reuniões só em caso de estrema necessidade...rs

Daí, um dia você chega na sala (vazia), mais cedo que de costume, vai lááááá pro fundo, se senta e começa a passar um filme na sua cabeça...Lembranças de antigos colegas com quem você não tem mais contato, outro você sabe que se casou, uma mudou-se para o exterior, a amiga de infância que estudou com você desde o primário, continua lá, na sua cidadezinha natal...A lembrança das aulas vagas, das gargalhadas exageradas por qualquer motivo bobo, das paqueras, da luz de todo o colégio, que misteriosamente foi desligada justo na hora da dificílima prova de biologia, do professor que sempre achava uma brechinha para recontar a sua história, de que vendia o almoço para comprar a janta na época em que fez faculdade em Belo Horizonte... Você sorri saudosa, olha em volta da sala ainda vazia e constata que na faculdade, o fundão agora, é apenas o fundo da sala, nada mais que isso.
.
Mineira