segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Faiô!


Agora e aqui

Ele chegou em casa do trabalho mais cedo e, embora não tivesse planejado assim, num momento estrategicamente feliz: depois da saída da empregada e antes da chegada das crianças.
A mulher estava na cozinha, arrumando as coisas que trouxera do supermercado.
- E a Luíza?
- Já foi.
- E as crianças?
- Ainda é cedo.
Quando ela levantou a cabeça para ver por que ele ficara parado ao seu lado, em silêncio, deu com o sorriso dele.
- Que foi?
- Vai ser agora.
- Cê tá doido?
- Agora e aqui.
Ele já estava tirando o casaco.
- Cê tá doido.
- Nós nunca fizemos na cozinha.
- Espera um pouquinho...
Ele estava tentando abrir os dois zíperes ao mesmo tempo, dos jeans dela e das próprias calças.
- Espera!
Ela mesmo abriu o zíper e despiu os jeans, depois a calcinha.
Ele estava pulando num pé só para arrancar as calças.
- Onde?
- Aqui. Na mesa. Vem.
- Não! As compras do súper.
- Não interessa.
- Tem ovos!
- Então em cima do fogão.
- Não! Está aceso. A Luíza deixou um...
- Em cima do balcão. Assim. Senta assim e...
- Ui!
- Que foi?
- Sentei em cima dos congelados.
- Vem mais pra cá...
- Cuidado as facas!
- Ai!
- Cortou?
- Sei lá. No chão. Vai no chão mesmo.
- No chão não. No chão não!
- Então onde?
- Na sala.
- Na sala. Vamos.
- Me carrega.
- O quê?
Ela já estava abraçada nele. Braços e pernas. Ele saiu cambaleando da cozinha.
Entre a cozinha e a sala ficava a sala de jantar.
- Vai ser aqui mesmo - disse ele.
Tentou soltá-la em cima da mesa. Não agüentaria carregá-la até a sala. Ela gritou:
- As frutas da mamãe!
Eram frutas de vidro que ornamentavam o centro da mesa.
- Nunca gostei dessas frutas.
- Pra sala! - ordenou ela, pulando no seu pescoço outra vez.
A caminho do sofá ele tropeçou num brinquedo e quase caiu. O sofá também estava coberto com coisas das crianças. Até uma planonda.
Ele tentou levá-la para o tapete, mas ela protestou:
- No chão eu não quero.
- Isso já é preconceito, pô.
- Vamos pro quarto.
- E quarto é lugar pra isso?
Ela se descolou dele, pôs os pés no chão e voltou para a cozinha. Ele abriu um espaço, a golpes irritados, entre as coisas das crianças no sofá e sentou-se.
Em cima de um bichinho da Parmalat, que jogou longe. Quando ela reapareceu na porta da cozinha já tinha vestido os jeans.
- Me ajuda a guardar as compras?
- Não.
- Depois a gente pode usar a mesa...
- Agora é tarde.
Há muito tempo que é tarde, pensou ele. E, mesmo, aquela agitação não fizera nada bem para sua coluna.
Gritou para a cozinha:
- Quando vier daí, traz as minhas calças.


(luís Fernando Veríssimo)
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Inté...
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