sexta-feira, 15 de junho de 2007

O Misterioso Mundo das Gueixas...

Foto da atriz Zhang Ziyi (que interpreta a gueixa Sayuri, em "Memórias de uma Gueixa)

Fonte de mel
Nos olhos de gueixa
Kabuki, máscara
Choque entre o azul
E o cacho de acácias
Luz das acácias
Você é mãe do sol
A Sua coisa é toda tão certa
Beleza esperta
Você me deixa a rua deserta
Quando atravessa
E não Olha pra trás...
(Você é linda - Caetano Veloso)

Gueixa: (pessoa que vive da arte). As Gueixas são mulheres japonesas que estudam a tradição milenar da arte da sedução, dança e canto.
.

A imagem dessas mulheres, maquiadas de branco e vestidas em belos quimonos, sempre fascinou o Ocidente. E exemplos desse deslumbramento não faltam, tanto no cinema como na literatura: "Memórias de uma Gueixa", livro do norte-americano Arthur Golden, virou filme.

Cenas no filme "Memórias de Uma Gueixa", veja aqui!

Mas essa visão cheia de glamour não ajuda a revelar quem realmente são e o que fazem as gueixas. Fora do Japão é comum que elas sejam vistas como prostitutas de luxo, equívoco que explica ao mesmo tempo o preconceito e o romantismo que as cercam.

Gueixas não têm relação com a prostituição, porém, a palavra "geisha girl" tem, e foi usada durante a ocupação americana no Japão, denegrindo a imagem delas...As gueixas entretêm por meio da cultura e das tradições, não pelo sexo. No entanto, durante a Segunda Guerra Mundial, algumas se tornaram prostitutas, o que também prejudicou a imagem delas, deturpando o conceito.

Ao contrário do que muitos imaginam, um cliente que paga pelos serviços de uma gueixa muitas vezes não recebe sexo em troca. E quando isso acontece, é uma decisão que cabe quase sempre à própria gueixa.

No entanto, isso não impedia a concretização de certas práticas, como o Mizuage, um dos acontecimentos mais importantes na vida de uma Gueixa, e que consistia na venda da sua virgindade. A primeira relação física de uma gueixa era leiloada a preços exorbitantes, e podia cimentar muito da sua reputação e prestígio.

O universo das gueixas, mulheres-artistas que se dedicam a agradar aos homens por meio da dança, da música e da pura adulação é um território a parte do Japão. É um mundo de sonhos, permeado de romance, luxo e exclusividade. Para conhecer seus mistérios, poucos são os selecionados. Para manter o fascínio da arte, raras são as escolhidas.

Ser gueixa não é uma simples opção. Para se tornar mestras de entretenimento masculino, as maikos (aprendizes) precisam muito mais do que dotes artísticos e um rosto sem espinhas. Afinal, elas são treinadas para amansar os egos dos homens mais poderosos do Japão, sejam eles políticos graduados, abastados empresários ou temidos yakuzas (mafiosos). Todos milionários que não se importam em torrar fortunas, para serem inebriados sem suas próprias fantasias.

A maquiagem é feita pelas próprias gueixas, num ritual diário que leva uma hora para ser concluído. Um trecho do pescoço é deixado propositalmente à mostra da maquiagem. Um truque que garante um efeito de sensualidade máxima aos olhos nipônicos.

Para se tornar uma gueixa, são necessários vários anos de um rigoroso aprendizado que começa na adolescência, geralmente entre 13 e 15 anos - antigamente, esse treinamento se iniciava já na infância. Era preciso, ingressar numa casa onde só viviam gueixas (okiya), comandadas por uma mulher (okami-san) já experiente, geralmente uma ex-gueixa.

Até a 2ª Guerra Mundial, não era raro que as famílias pobres do Japão vendessem suas filhas para prostíbulos, para reduzir o número de bocas a alimentar em meio à miséria em que viviam.

As aprendizes (maiko) eram consideradas crianças muito inteligentes e de beleza rara. Elas ingressavam na okiya fazendo trabalhos domésticos, como limpeza das casas, lavagem das indumentárias, etc. Isto para depois, quando adolescentes, começarem seu rigoroso treinamento para se tornar uma gueixa.

Elas aprendiam as artes da dança, pintura, caligrafia, música, dicção, etiqueta, acrobacias, interpretação teatral e tinham que estudar muito, até atingirem uma perfeição, possuindo uma formação privilegiada das demais mulheres japonesas. As gueixas eram as únicas mulheres do Japão que possuíam a oportunidade de alcançarem uma independência, por nunca casarem e nem terem ocupações domésticas, dedicando-se inteiramente à profissão.

Além de toda a formação intelectual, elas tinham de ter uma aparência impecável, vestindo quimonos cheios de adornos, que pesavam muitos quilos, uma maquiagem que cobria todo o rosto de branco (oshiroi), usavam tamancos de madeira (zori) e tinham que estar sempre alegres e com postura delicada.

As casas onde viviam eram sustentadas por um homem rico e, muitas vezes, casado - o danna. Geralmente esta figura possuía uma gueixa como amante, mas o fato de esta ter contato íntimo com algum homem era raro.

Hoje, as coisas mudaram. As adolescentes vão por vontade própria, em busca de realizar um sonho de se tornarem gueixas. O processo de admissão de novas garotas funcionam por apresentação, através da emissão de currículos de candidatas indicadas por amigos e clientes às proprietárias das casas de chá. As meninas são avaliadas, principalmente, pela beleza, e charme. Tem de ser bonitas e não podem ser gordas.

Caso seja aceita na comunidade gueixa, a aprendiz (chamada de maiko) terá de "trocar de família". A okasan (dona da casa de gueixa) será sua nova mãe e as outras gueixas suas irmãs. Uma gueixa será sua irmã de modo especial. Chamada de "irmã mais velha", ela é a principal responsável pela formação da nova gueixa, num processo baseado na observação. O ensinamento não é gratuito.

Em nome da profissão, as gueixas abdicam até de seus nomes. Quando passam a integrar oficialmente o oki-ya, elas ganham apelidos. Podem namorar, desde que isso seja feito em suas poucas horas de folgas. O namorado não pode pode estar incluído em sua lista de clientes e é proibido de pisar no oki-ya (casa de chá), onde a gueixa jamais poderá atender a um telefonema seu. Casar com o heróico pretendente também está fora de cogitação, sob pena de a gueixa Ter de enterrar definitivamente sua carreira.

Gueixas não podem se casar, mas podem ter filhos, que serão muito bem recebidos e criados dentro da comunidade. Se o bebê de uma gueixa for do sexo feminino, ótimo, é candidata em potencial a ser uma gueixa no futuro. Caso seja homem, estará fadado a ser um papel secundário dentro do oki-ya, com motorista, por exemplo. Afinal, se trata de uma família na qual as mulheres comandam, diferente de todo o Japão.

Entretenimento para a elite.

Conhecer uma gueixa, porém, é privilégio para poucos. Em geral, seus clientes são formados por grandes empresários, políticos de peso, membros da yakuza (a máfia japonesa) e artistas famosos.

Que o diga um ex-primeiro-ministro japonês Uno Sosuke, que renunciou ao cargo em 1989. Um dos motivos que o levou a largar a política foi a revelação de que mantinha uma amante gueixa que, um belo dia, ameaçou contar a quem estivesse disposto a ouvir tudo o que sabia sobre ele. À época, foi um grande escândalo. Não tanto pelo fato de um político ter se engraçado com uma gueixa – ato considerado “normal” e até digno de um certo status entre a ala masculina da sociedade nipônica. O rebuliço foi infinitamente maior no próprio meio das casas de gueixas, Afinal, uma delas havia quebrado um código de honra considerado sagrado ao deixar vazar a privacidade de seu patrocinador (danna).

E não basta ter muito dinheiro. Para entrar nesse círculo seleto, é preciso ser apresentado por outro cliente mais antigo. Até mesmo estrangeiros podem frequentar as luxuosas casas de chá, desde que seja devidamente apresentado.

Quando presidentes e diretores de grandes corporações desejam receber bem seus convidados, seus parceiros de negócios, é comum levá-los às casas de chá, onde trabalham as gueixas.

Mas esse universo, que ainda hoje é cercado de mistério, pode estar em extinção. No início do século, havia cerca de 80 mil gueixas no Japão. Apesar de tradicional, o universo que habitam sempre foi contestado na sociedade japonesa, principalmente pelas esposas dos clientes das casas de chá. No Japão moderno, com a gradativa liberação da mulher, a oposição ganhou força e o número de gueixas não chega a mil atualmente, num processo de franca extinção se comparado às 80 mil gueixas na ativa no início do século. Agora, as esposas nipônicas sentem-se mais confortáveis ao manifestar seu repúdio a idéia de ver seus maridos gastando fortunas divertindo-se ao lado de gueixas.

Outro trabalho que vem contribuindo para o declínio do número de gueixas são as hostess, recepcionistas que trabalham em bares japoneses conhecidos por sunakku (do inglês snack bar). São jovens garotas bonitinhas pagas para entreter clientes homens com conversa fiada, sem qualquer relacionamento mais íntimo, pelo menos dentro do bar ou às vistas dos seus donos. O número de hostess e sunakkus vem crescendo a cada ano e faz frente ao trabalho das gueixas, principalmente porque o serviço é muito mais barato e permite o acesso da classe média masculina do Japão.

Ainda assim, os homens japoneses, sabem dar às gueixas o seu devido valor, enxergando-as quase como divindades vivas. Ou apenas como o ideal da mulher perfeita: bela, servil e sempre disposta a agradá-los. Alheias a isso, as gueixas, anônimas, camufladas pela maquiagem branca e enfiadas em seus ricos quimonos perseguem o sonho de preservar sua arte e uma das mais belas peculiaridades das mulheres, a feminilidade.
.

Curiosa Raridade – Uma Gueixa Ocidental

A antropóloga norte-americana Liza Dalby é a única ocidental de que já se ouviu falar a se tornar uma gueixa.

Especialista em cultura japonesa, na década de 70, após se graduar em antropologia nos Estados Unidos, ela escolheu como tema de sua tese de doutorado a situação das gueixas no Japão contemporâneo. Por conta disso, passou vários meses entrevistando e pesquisando, e foi assim que surgiu a idéia de ela mesma se tornar uma gueixa. Depois contou sua experiência, no livro que lançou em 1983, "Geisha". Saiba mais detalhes dessa façanha, lendo a entrevista que Liza Dalby concedeu ao Nihonsite Aqui!
.
Entrevista com Kimisome (uma gueixa dos tempos atuais)

Nove entre dez garotas dariam qualquer coisa para passar uma noite com o ator Leonardo Di Caprio. A gueixa Kimisome, 21 anos, seria aquela décima que recusaria esse privilégio, por mais que o galã do Titanic insistisse. Vivendo desde os 15 anos em Miyagawacho, um dos distritos de gueixas de Kyoto, Kimisome cumpre com resignação às rígidas normas de um círculo bastante privado, abertos apenas a uma ínfima, mas poderosa, parcela de homens japoneses. “Quase desmaiaria se DiCaprio viesse aqui, mas se eles quisesse passar a noite comigo, diria que não posso”, garante Kimisome, obedecendo à regra de que somente um cliente de longa data pode se encontrar intimamente com uma gueixa. É justamente nesse ponto que está um dos paradoxos da vida de Kimisome. Apesar de se treinada para entreter homens com seu talento artístico, ela dificilmente pode se aproximar deles naturalmente. Numa conversa franca com a revista Made in Japan, na casa de chá Hori Yae, em Kyoto, Kimisome contou detalhes dessa vida de glamour e recusas, sem economizar palavras.

Veja a entrevista completa aqui!
.
Memórias de uma Gueixa, são memórias onde soam o canto do cisne pelo período áureo das Gueixas, quando eram objeto da mais elevada admiração num universo dominado por boemia e prazer, mas ainda que atualmente tenham diminuído em número, e se tenham tornado numa rara figura de porcelana inacessível à maioria, a figura da Gueixa ainda hoje assombra o imaginário da mente ocidental como um ser misterioso capaz de mostrar ao homem caminhos obscuros para a sua felicidade.
.