
O amante
Era a terceira vez, naquele dia, que se enroscavam furtivamente.
Nela, as mãos suadas denunciavam ao amante a languidez necessária. Entregava-se ávida e aflita ao instante de prazer. E nas escadas sujas, vigiava as sombras.
Como das outras vezes, era um encontro rápido. Desses que mal dá tempo de recompor o semblante ou a roupa. E a mancha na camisa branca acabaria por denunciá-la, não fosse o cuidado de carregar no bolso da calça, lenços umedecidos. Cheirinho de neném. Um perfume que a resgatava do êxtase, jogando-a no chão espalhado de culpas.
Sentia raiva de si mesma. Queria fugir, voltar ao controle da situação. Mas o corpo lhe negava esse direito. E amolecia cada vez mais. As pernas, quase arquejando, os lábios úmidos, a mão nervosa cravando no outro a pressa.
Controle-se. Vai acabar chegando alguém. Talvez as crianças, ou mesmo o marido. Mas não, era um desejo incontrolável de entrega. Sentada ainda nos degraus, jogou no saco escuro preso ao lixeiro o papel alumínio que segundos atrás lambia trêmula. E suspirando, rendeu-se uma vez mais ao encontro.
Prendeu os cabelos, limpou os dedos e procurou esconder em baixo das sandálias os restos espalhados no piso. E finalmente sacou da bolsa mais um chocolate.
O último do dia, prometeu a si mesma.
Texto da Vássia Silveira, leia mais dela no Gavetas e janelas.
.
v
Quadro de Monet - Women in the Garden, 1867 (Musée d'Orsay, Paris)










.
|