sábado, 15 de setembro de 2007

É Tudo Verdade


"É Tudo Verdade

, enquanto te esperava tantas coisas aconteceram. Passou por mim uma menina de vestido azul todo bordadinho, saia rodada e sapato de veniz. Olhou pra mim e, como se desculpando, disse: minha mãe pensa que sou boneca.

Ela estava a caminho da missa, na igreja perto de onde combinamos nos encontrar. Eu a observei até que ela sumisse na virada da esquina. Foi quando comecei a pensar nos filhos que teríamos e no modo como iríamos contrariá-los com motivos cheios de amor. Você demora… sei que cheguei mais cedo, mas você demora… Um moço veio de me perguntar as horas e eu disse que já era tempo. Ele, confundido, me pediu em casamento e eu aceitei. Desculpa, amor. Pensei que poderia ser você e aceitei. E, além do mais, o dia estava tão lindo e eu tinha acabado de ver a primeira estrela anunciando a noite que engoliria mais um dia de espera. Pensei que fosse você e saí de mãos dadas com ele. Quando passamos diante da igreja ele fez o sinal da cruz e eu então tive certeza de que era você. Passamos diante da igreja no exato instante em que a menininha de vestido azul saía. Mas agora ela era moça e tinha os cabelos longos e manchados de sol e usava uma calça bem baixa, barriga à mostra. Sorriu pra mim e, como quem confessa, disse: agora escolho minhas roupas mas minha mãe me impinge comunhões… E fiquei olhando pra ela até que ela fosse engolida pelas outras pessoas luscofuscadas na quase noite. Não me casei com o tal moço.. antes de atravessarmos a rua notei que as mãos dele não poderiam ser suas. Eram encurtadas e sem ambição nenhuma. De modo que inventei uma dor de dentes e voltei para o nosso ponto de encontro. Anoiteceu, amor e eu senti frio. Ventava como ventará nos últimos dias e eu fiquei colada ao muro, buscando calor em pedras e tijolos. Protegi meu rosto com um lenço e imagine, amor, uma senhora, nova ainda, passou e me deu duas moedas de prata. Fiquei olhando pra ela enquanto caminhava. Chorei de vergonha e gratitude… Ela estava grávida e com as pernas pesadas de hormônios e a alma transbordando vida, se apiedou de mim e do meu frio. Me confundiu com uma pedinte. Olhei pra ela até que ela entrasse numa padaria. Guardei as moedas para quem precisasse mais, quem sabe, um dia. Quando ela saiu amor, carregava uma criança no colo. Uma menininha linda, de vestido bordado e sapatinhos de verniz… passou por mim e sem me reconhecer disse, como quem desabafa: queria eu estar no colo da minha filha…. Senti tanto medo e frio que me deixei abraçar por tantos braços, amor. Todos os tipos de aconchego aceitei, pedi, ofereci. Esperava por você e era imperativo manter-me viva. Ou como você me encontraria? Foi de manhã que notei que estava nua. E uma senhora passou por mim e me entregou algumas roupas que, segundo ela, me pertenciam. Eu as vesti e eram largas. Os sapatos me apertavam. Mas as vesti como se fossem minhas. Você demora, amor. Mas ainda é cedo e eu espero. Um homem alto veio me dizer que eu estava atrasada. Perguntei “é você?” e ele nem me respondeu. Me carregou no colo e enquanto caminhava me levando pra maturidade, adormeci, amor. Quando acordei, tinha uma mulher e seus filhos e suas misérias e alegrias me esperando. Ela pediu duas moedas de prata e eu perguntei o que ela faria com elas. Isso deve tê-la ofendido porque, com suas roupas novas e descalça ela foi embora de mim. E eu a acompanhei até que ela entrasse numa casa de madeira. Joguei as moedas for a, amor. Um moço sem a menor piedade no coração mas com olhos aventureiros as devolveu pra mim. E disse, como quem me soubesse: são suas, sou seu. E eu nasci, amor. Fui com ele pra lugar nenhum e voltei sem minhas moedas e com o coração pesado de crueza da vida.

Vou-me embora. Acho, tenho certeza, que você nunca virá, mas e se..."

Cláudia Camara, leia mais dela aqui!

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P.V

Inté...