sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Do Amor... De Lobos... E Telefonemas...

Do Amor

Quando o vi senti uma quentura difícil de disfarçar e meu coração virou borboleta no mesmo instante em que ele me olhou. Nos minutos seguintes resolvemos que seria pra toda vida. Larguei minha fortuna e ele arranjou mais um emprego noturno. Tempos duros os primeiros. De amor, de brigas e reatamentos em cima da mesma cama onde pari nossos filhos, a mesma cama onde ele me amava depois da lida.

O fardo que carreguei nunca foi pesado para o meu corpo: sempre grávido do dele. Nunca houve cruz que eu não suportasse. Nem quando ele caminhava um passo a minha frente. Nem quando riu pela primeira vez das minhas estrias. Nada era tão difícil que eu não pudesse tolerar. Nem quando ele chegou com um gosto na boca diferente do meu.

Nem quando ele já não era mais meu.

Mariza Lourenço

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Pois logo a mim, tão cheia de garras e sonhos, coubera arrancar de seu coração a flecha farpada. De chofre explicava-se para que eu nascera com mão dura, e para que eu nascera sem nojo da dor.

Para que te servem essas unhas longas?

Para te arranhar de morte e para arrancar os teus espinhos mortais, responde o lobo homem.

Para que te serve essa cruel boca de fome?

Para te morder e para soprar a fim de que eu não te doa demais, meu amor, já que tenho que te doer, eu sou o lobo inevitável pois a vida me foi dada.

Para que te servem essas mãos que ardem e prendem?

Para ficarmos de mãos dadas, pois preciso tanto, tanto, tanto - uivaram os lobos e olharam intimidados as próprias garras antes de se aconchegarem um no outro antes de dormir.

Trecho do conto "Os Desastres de Sofia", in "Felicidade Clandestina" - Clarice Lispector
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O Telefone
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À meia-noite, pelo telefone,
Conta-me que é fulva a mata do teu púbis.
Outras notícias
do corpo não quer dar, nem de seus gostos.
Fecha-se em copas:
"Se você não vem depressa até aqui
nem eu posso correr à sua casa,
que seria de mim até o amanhecer?"
Concordo, calo-me.
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Carlos Drummond de Andrade

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Quero agradecer à queridíssima Mariza Lourenço, que mais uma vez, me autorizou a postar um dos seus belos textos aqui no Matutando... se ficaram com gostinho de "quero mais", então visitem o blog dela...

Uma musiquinha pra deixar o ambiente ainda melhor...



Inté...
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