quarta-feira, 22 de agosto de 2007

O Casal

O Casal

(Luís Fernando Veríssimo)

O irmão da noiva foi encarregado de fazer o vídeo do casamento e apareceu no altar com um negro grande chamado Rosca para segurar as luzes. O irmão e o Rosca passaram todo o tempo circundando o casal e o padre, com o irmão sinalizando onde queria as luzes e o Rosca tirando padrinhos e madrinhas do caminho, subindo em nichos do altar e se agarrando em santos para se colocar, e a certa altura da cerimônia batendo no ombro do padre e pedindo "Quédalicença?" porque o padre estava fazendo sombra.

Na fila dos cumprimentos a Maria Alice, com quem o noivo quase se casara, se aproximava, com seus seios portentosos. Mais de uma amiga, depois de beijar a noiva, avisou: "Viu quem está na fila?" e a noiva firme, só pensando "Cadela". Quando Maria Alice e seu decote chegaram na frente do noivo ele, de olho no decote, perguntou "Como vão vocês?" e depois não pode se corrigir porque a Maria Alice estava abraçando-o e beijando-o e desejando toda a felicidade do mundo, viu? De coração. E para a noiva: você também, querida.

Na recepção, depois, a mãe da noiva dançou com o noivo, o pai do noivo dançou com a noiva, a mãe do noivo dançou com o pai da noiva, a nova mulher do pai da noiva dançou com o namorado da mãe do noivo, a terceira mulher do pai do noivo dançou com o Rosca e o padrasto da noiva, felizmente, estava com um problema na perna.

- Você, quando viu a Maria Alice, não...

- Não!

- Jura?

- Juro.

- Porque com todo aquele enchimento...

- Enchimento? Você acha?

- Pelo amor de Deus! Plástica!

- Sei não...

Ele ia dizer que conhecia os seios da Maria Alice pessoalmente, que botava as mãos no fogo pelo... Mas ela tinha começado a chorar.

- Bitutinha! O que é isso?

- Não sei...

- Chorando por causa dos seios postiços da Maria Alice, Bitutinha?!

- É insegurança, entende?

Quarta ou quinta noite da lua-de-mel. Bom como nunca tinha sido antes, nem no namoro. A janela aberta, um único grilo prendendo a noite lá longe, como um preguinho de som, e os dois suados e abraçados na cama do hotel-fazenda.

Tão apertado que um parecia querer atravessar o outro, porque não sabiam o que dizer, não sabiam o que era aquilo, aquele se gostar tanto. Bom de doer, bom de assustar. E ele pensando: vai dar certo, vai ser sempre assim, nós vamos ser sempre assim, a felicidade é esta coisa meio muda e desesperada que a gente não quer que acabe, ela vai ser minha mulher para sempre e vai ser bom, eu não precisava ter me preocupado tanto só porque ela pediu para tocarem Feelings no casamento.

Depois da inauguração do apartamento ele ouviu ela chorando no banheiro, foi ver e ela tinha se emocionado vendo as escovas de dentes deles, lado a lado.

Era bobagem, ela sabia, mas não tinha podido se controlar. Naquela noite foi no chão do banheiro mesmo, ele e a sua Bitutinha.

- Só dá a Maria Alice!

No teipe do casamento, era mesmo a Maria Alice, no seu vestido vermelho, quem mais aparecia. Mais, até, do que a noiva. O irmão tentou se explicar.

- O vermelho atrai a câmera.

E prometeu um parecer científico que comprovava o fenômeno.

- Lembra do Rosca pedindo para o padre se afastar porque estava atrapalhando a filmagem?

- Parece que faz tanto tempo, né?

- Bom. Brincando, brincando, lá se vão...

Brincando, brincando, lá se tinham ido dois anos. Depois foram mais cinco, depois mais três...

- Você se dá conta que nós estamos casados há 12 anos?

Doze anos já se passaram!

E ele, distraído:

- Essas coisas, quando começam, não param.

- Como é que você me chamava?

- Eu?

- É. Você tinha um apelido pra mim. Na cama. Lembra?

- Tem certeza que era eu?

- Burungunga. Não, Burungunga não. Tutuzinha? Não...

- Pokémon?

- Não, nem existia, na época. Era alguma coisa como... Xurububa.

- Duvido.

E um dia ele leu no jornal que a Maria Alice faria uma palestra sobre Psicologia Motivacional. Tinha fotografia da doutora Maria Alice: óculos, papada, busto matronal. O tempo pensou ele, é isso, o que transforma os seios da Maria Alice em busto matronal. A destruição de impérios e civilizações é só efeito colateral, e não nos diz respeito.

Inté...

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