sábado, 25 de agosto de 2007

Eu Menina... Eu Ainda...

eu, menina.
eu, ainda.

Viam-se muitos filmes sobre a vida de Jesus. Sobre os santos e suas vidas. Viam-se suas dores suportáveis, dores hollywodianas. E a menina aprendeu um jeito avesso de santidade. Ou direito. Pelo menos era o avesso do que deveria, isso ficou claro. Pra poder viver e andar ereta ela inventou o perdão incondicional. Ela inventou pessoalmente o perdão impenitente que era pra poder olhar nos olhos do mundo sem ficar pedindo licença. Porque a primeira pessoa que ela perdoou foi a si mesma. Senão, como sobreviver à uma infância sem escapatória? Onde pensamentos, palavras, atos e omissões tinham que ser desculpados com três aves maria e um “creindeuspai”.

Senão, como carregar o peso de se saber culpada de absolutamente tudo: minha culpa, mea-culpa, máxima culpa. Perdoada, ela pode desejar livremente ser a décima terceira discípula de Jesus. Ela não saberia escrever e, por isso, não teria evangelho segundo Madalena. A menina imaginava detalhadamente as longas conversas que teria com aquele homem de voz nightingale. Noites inteiras ouvindo e acreditando e o mais surpreendente: ouvindo suas confissões.

Seria para ela que ele contaria suas fraquezas e segredos. Porque mesmo tendo a certeza e o conforto da fé inquestionável, ele se atormentaria, miseravelmente humano. E ela o amaria. Tanto, mas tanto. Muito mais do que João. Muito mais do que Judas. Porque ela amaria com a intensidade do amor feminino, amor visceral de mulher escolhendo o pai dos seus filhos. E ele nem era tão bonito quanto aparecia nos filmes, nas imagens sem conhecimento dos artistas. Para a menina, ele tinha uma beleza que se revelava aos poucos, como pequenos milagres concedidos. Então, era o olhar que desenhava seus olhos grandes e escuros. Olhar imenso, por onde escapava tanto amor e tanta melancolia. Ele olharia para ela e, se ela não o amasse tanto, se sentiria triste. Porque nem se esforçando muito, nem mesmo quando a menina se concentrava na liberdade da sua imaginação, ela conseguia alcançar todos os pensamentos dele. E doía isso. Ele sabia e sorria. E dizia: “nem você pertence a si mesma”. Mesmo sem entender exatamente o que ele dizia, a mulher chorava de ignorância, impotência e adeus. A menina também. Ela pressentia que ele partia a cada dia.

Os olhos dele. Rasgados sobre a pele morena. Inocência, sabedoria, começo e fim. Tudo estava nos olhos dele. A menina sabia que passaria a vida buscando esse olhar. E um nariz reto e os mesmos cabelos lisos, escuros e brilhantes de lua. Ele será assim, decidiu a menina em plena infância. E terá um sorriso sem esforço e vai saber tanto. Vai saber mais, muito mais do que sua consciência vai lhe revelar. É por isso que, muitas vezes ele vai se surpreender com conhecimentos e percepções que ele nem desconfiava possuir. O amor da minha vida vai saber tudo. Principalmente, vai me reconhecer e me abençoar com sua presença em minha vida. Ainda que breve. Ainda que leve presença imperceptível e vital como ar que a menina respirará mais profundamente, quando, finalmente estiver ao lado dele.

Quando ficava calado, sentado entre as oliveiras – por mais que tentasse a menina nunca conseguia tirá-lo deste cenário – quando ele ficava muito quieto, oprimido de revelações e antecipações ele piscava tão devagar, tão lentamente que, por instantes, ela temia que ele já tivesse partido. E se desesperava com essa ausência anímica dele. A menina não controlava seu sonho. Nem jamais controlaria. Quando, finalmente, encontrasse esse homem em sua vida, lindamente adornado pelas dores e limites humanos, aconteceria o mesmo. O silêncio dele seria preenchido pelos sonhos dela. E o olhar dele seria dela só por uns instantes. E ele teria um sorriso generoso que distribuiria sem nenhum critério. Querido e querendo bem a todos. Sem nenhuma piedade por quem lhe pedia um átimo de exclusividade.

Mentira. Ela desejaria muito mais do que isso. Ele lhe ofereceria seu coração, mas ela pediria sua alma. Mas ele nunca lhe pertenceria. Nem a ninguém. Como ela ainda não sabe, tampouco se conforma.


Claudia Camera


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Texto/Crônica gentilmente enviado por Layla.


P.V


Inté...