sexta-feira, 3 de agosto de 2007

O Trem


Por Mariza Lourenço

Eu esperava que ele chegasse feito um trem apitando na curva da estrada. Pra me matar de tanto susto. Eu, que nem sabia o significado das palavras, já sentia que aquilo era quentura de moça com desejo de namorar. Minha boca era virgem, meu corpo inteiro era virgem e meus ouvidos nunca tinham escutado aquelas coisinhas que todo mundo diz quando fica apaixonado. Mas o frio na barriga eu sentia, o vai e vem no baixo-ventre eu sentia. A vermelhidão no rosto e nos seios e nas mãos. Ah! Eu sentia. Só não sabia explicar.

E, então, ele chegou. Feito um trem apitando na curva da estrada. E depois dele, outro. E mais outro. E tantos, por tanto tempo. Tantos sustos e mortes! Aos milhares. Tanta alegria e espanto. Tanto desassossego. E meu corpo já nem era virgem. E meus ouvidos já haviam se acomodado ás palavras. As coisinhas que se diz quando se está apaixonado.

Hoje ele ainda chega feito o primeiro, mas não apita, nem me mata de tanto susto. Só chega do jeito dele: tranquilo. A curva da estrada virou meu canto escondido. Os meus ouvidos se transformaram em olhos. Pra enxergar além do barulho e das evidências. Além das montanhas, onde tantas vezes eu subi. Além do mar, onde tantas vezes me afoguei. Eu mudei. E aquele desassossego de menina virou calor de mulher madura. E o vai e vem no ventre, querência de fêmea que já pariu dois filhos. Vontade de quem já recebeu tantos amores.

Um dia ele deixará de vir, e eu, de esperar, de ouvir e reconhecer na curva da estrada um movimento diferente. E então serei só calma e espí­rito. E minha alma será só asas e vão. E o céu já não estará tão longe e as montanhas, não serão nada além de uma lembrança encantada. E em meu ventre “livre” o destino já estará cumprido.

E selado.

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A Mariza Lourenço é uma escritora talentosíssima, que conhecí a pouco tempo aqui nesse mundão que é a internet. Já nas primeiras visitas que fiz ao seu blog, depois de ler dois ou três textos seus, virei figura cativa daquele lugar, ou melhor, daquelas palavras. Sim, primeiro foram as palavras, depois a delicadeza com que recepciona as visitas... dos seus textos não sei falar, explicar, só sei sentir, e como!
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